Qualquer dia desses…
Podem chamar de amor à primeira vista.
Mas não amou, nada. Apaixonou.
Amor é outro departamento,
em que não se aterrisa assim em um dia.
De toda forma, em um dia quase comum,
estará lá você de coração e corpo abertos
(mesmo que nem saiba disso),
quando, sem aviso e de repente,
te tomará completamente
essa chuva de hormônio e encanto
que sequestra o dia inteiro o pensamento,
acelera sangue e respiração,
une o riso e o olhar,
todo assunto interessa
e dá uma vontade imensa de ficar.
Se isso aí vai virar amor,
já é outra história.
Porque são duas as histórias.
Valores de dois - inclusive os diferentes.
Funciona, se alicerces não excludentes.
Hábitos de dois - inclusive os conflitantes.
Funciona também,
se negociados os insuportáveis
e relevados os irrelevantes.
Opiniões de dois - inclusive as políticas.
Até pode funcionar, havendo respeito.
(Sem isso não ia funcionar nada mesmo).
Gostos de dois - inclusive os culturais.
Isso pode não apenas funcionar,
como ser até bem divertido.
E se forem dois que se queiram inteiros,
e por tempo suficiente,
qualquer dia desses… amor.
Só fica improvável se um amar ao outro
bem mais do que a si mesmo.
Ou a si mesmo,
bem mais do que ao outro.
Nem morando sozinho vai ser feliz assim.
Imagina resolvendo
quem vai lavar o banheiro hoje.
Está bem…
Então, os dois juntos
se amaram e se respeitaram,
se apoiaram e se cuidaram,
se divertiram e se aprenderam,
juntaram amigos e familiares
(os irritantes e os cativantes),
fizeram ambos terapia
e foram felizes para sempre?
Talvez.
Espera só que venham dias de luta,
além dos de glória.
Amaram-se e respeitaram-se
mesmo quando irritados ou cansados
e apesar do mau humor?
Uniram-se e encontraram
algum riso e ternura,
mesmo descongelando geladeira,
apesar da louça interminável na cozinha,
até mesmo quando contas atrasadas
e com crianças gritando pela casa?
Bem, então, sim,
os dias podem virar anos.
E os anos poderão ser,
na maioria dos dias,
felizes e risonhos.
Ô, sorte?
Não foi apenas sorte, meu amigo.
Flávia Côrtes
Outubro de 2021
(Para Everson, com quem a vida há mais de sete anos, segue encantada, ainda que nem sempre fácil.)
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