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domingo, 11 de outubro de 2020

 Sobre Holofotes e Ampulhetas - o poema


Pensamentos podem ser ideias 

já elaboradas na mente. 


Convicções. Pretensões. 

Conversas de você consigo mesmo. 

Lembranças. Sonhos. 

Objetivos. Invenções.


E tem também um tipo de pensamento 

que está ali,

mas que não foi elaborado 

ainda. 


Algo que você sabe e reconhece, 

mas que não quis (ou não pôde) 

encarar por tempo suficiente.


Ora, quem é que, 

por livre escolha,

vai ocupar a mente 

com coisas conflitantes?


Problemas já existem 

em quantidade suficiente todo dia

para que alguém ainda queira buscar,

lá no canto mudo do pensamento, 

uma reflexão incômoda 

para colocar no forno 

e deixar crescer.


O problema é que Problemas

são pacientes. 


Experimente ignorá-los.

Pegam uma cadeira, 

cruzam as pernas, relaxam

e pacientemente te esperam. 


Um dia você, vai ter que olhar para eles.

É uma questão de tempo.


E, um dia, o TEMPO também deixa 

de ser um “tic-tac” que ecoa 

muito discretamente 

enquanto escorrem os anos… 

e vira uma ampulheta sentada 

na poltrona da sala te olhando. 


Nesse dia, caberá apenas a você 

escolher se olha de volta 

ou não.


Então, enquanto o ponteiro do tempo

ainda é seu, experimenta

pinçar um ou outro 

desses “quase-pensamentos” 

para olhar de perto. 


Mas cuidado. 

Se vestirem palavra,

você terá que olhar de verdade 

para dentro deles.


Ou de si mesmo. 



(Flávia Côrtes - outubro de 2020)



 Sobre Holofotes e Ampulhetas - prosa


Escrever para mim é algo que me organiza por dentro. Além disso, me permite colocar um holofote naqueles pensamentos que me rodeiam sem palavras. Estes, aliás, são os perigosos. 


Explico. 


Pensamentos podem ser ideias já elaboradas na mente. Convicções. Pretensões. Conversas de você consigo mesmo. Lembranças. Sonhos. Objetivos. Ideias. Invenções.


Mas tem um tipo de pensamento que está ali e não foi elaborado ainda. Algo que você sabe e reconhece, mas que não quis ou não pôde encarar por tempo suficiente para que vire uma ideia.


Por que não? 

Ora, quem é que, por livre e espontânea vontade, vai querer ocupar a mente com coisas perigosas e conflitantes?


Isso não quer dizer que eu não tenha já pinçado um ou outro desses “quase-pensamentos” para olhar de perto… mas, recentemente, tenho parado de olhar antes que resolvam ganhar palavras. 


Já tive mais disposição para essas coisas. Como atestam mais de 600 poemas, contos e prosas escritos. 


Só que, ultimamente, não estou querendo me ocupar muito de problemas. Eles já existem em quantidade suficiente para que eu ainda vá buscar, lá no canto mudo do pensamento, uma reflexão incômoda para colocar no forno e deixar crescer.


Eu não sei se é porque ultrapassei os 50 anos. Meia vida, meio século. A quem eu quero enganar? Meia vida foram os 40. Os 50 te levam a 2/3. Você já viveu 2/3 do caminho. 


Um dia o TEMPO deixa de ser um “tic-tac” que ecoa muito discretamente enquanto escorrem os anos… e vira uma ampulheta sentada na poltrona da sala te olhando. E cabe apenas a você escolher se olha de volta para ela ou não.


Eu sou boa em ignorar coisas que me incomodam. Ocupo o pensamento e a vida com outras coisas e pronto. Mas qualquer um que já teve um pensamento incômodo e ignorado sabe que isso não elimina o problema. 


Problemas são pacientes. Se você ignorá-los, não vão embora simplesmente. Pegam uma cadeira, cruzam as pernas, relaxam e pacientemente te esperam. Porque um dia você vai ter que olhar para eles. É uma questão de tempo.


Tempo, tempo, tempo... porque isso tem me incomodado tanto?


Não é exatamente o tempo. Ou a falta dele. É essa sensação de finitude. 


“Meu amor, o que você faria se não te restasse outro dia. O que você faria?”... já cantou um poeta.


E, não, eu não vou falar disso agora. 

Vou preparar o jantar.


(Flávia Côrtes - outubro de 2020)