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segunda-feira, 30 de dezembro de 2013



Sobre guirlandas, luzes e bolas brancas.

Uma guirlanda verde pendurada à porta contava, no início de cada dezembro, que era esperado um Natal Feliz naquela casa.

Bolas brancas enfeitavam a sala.
Uma para cada ano... setenta e duas, setenta e três...

Em volta da árvore imensa da sala, as crianças decoravam, cuidadosas, os galhos. A mãe entregava os enfeites. Bolas, anjos e laços numa risonha e alegre linha de produção. O pai testava as lâmpadas do pisca-pisca e colocava, ao final, uma estrela no topo da árvore.

Bolas brancas enfeitavam a sala.
Uma para cada ano... oitenta e duas... oitenta e três...

Talvez a árvore nem fosse tão imensa.
Talvez os enfeites nem fossem tantos.

Mas as luzes brilhavam um Natal
por dentro de mim
quando o meu pai
acendia a árvore.

Bolas brancas enfeitavam a sala.
Uma para cada ano... noventa e duas, noventa e três...

A árvore certamente não era tão grande. E haviam mais laços do que bolas, quando eu entregava encantada os enfeites aos meus sobrinhos que decoravam, cuidadosos, os galhos, numa risonha e alegre linha de produção.

Música e risadas em todos os cômodos.
Mesa posta.
Abraços.
Crianças brincando pela casa.

Meu pai desembaraçava a fiação do pisca-pisca e testava as lâmpadas.

Bolas brancas enfeitavam a sala.
Uma para cada ano... números arredondados pela virada do milênio... cento e duas... cento e três...

E as luzes brilhavam um Natal
por dentro de mim
sempre que o meu pai
acendia a árvore.

Até o ano do Não-Natal.
Até o ano do silêncio.

O ano em que não houve luzes.
Nem por fora, nem por dentro.

Outro ano e outro dezembro.
Mais um dezembro.

Em outra porta,
nesse novo dezembro,
uma nova guirlanda contou:
era esperado um Natal Feliz
naquela casa.

O portal abriu-se
como o sorriso da irmã à porta.

Música e risadas em todos os cômodos.
Mesa posta.
Abraços.
Crianças brincando pela casa.

Na varanda, o sofá do último abraço.
Meus olhos fitaram, por um instante, a lembrança viva.

O riso das crianças me trouxe ao presente. Meu primo ajustava o pisca-pisca das luzes colocadas na tela da varanda.

Eu não esperava.
Mas as luzes da varanda piscaram
e acenderam um Natal
por dentro de mim.

A noite

cumpriu a promessa da guirlanda
e foi feliz.

Talvez eu coloque, no próximo ano, bolas brancas na sala.
Uma para cada ano.


(Flávia Côrtes - Dezembro de 2013)

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013


Avatares

Nunca estivemos tão próximos
e tão distantes.

Sabemos da vida do outro
em tempo real
todos os dias.

O que comeu ,
se foi ao cinema...

Mas não nos vemos por semestres.

Não importa quantos "k"
 você escreva
numa janelinha branca.

Isso nunca terá
o som cristalino
da risada que se ri junto.

Corações desenhados no mural
enternecem, é verdade.

Mas eu gosto mesmo
é do calor do abraço.

Eu vou curtir todos os seus posts
porque realmente gosto de suas histórias.

Mas esse mural não tem nem de perto
o brilho do olho que conta.

A cidade não é tão grande
quando a vontade é maior.

(Flávia Côrtes - dezembro de 2013)

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013


Dezembros
Ainda nem é o mês
de tudo novo
de novo.

Mas as pessoas
já vestem sorrisos.

Os olhos trazem uma ternura
quase inesperada.

Os dias ganham ares
de vésperas de feriados.

As luzes espalhadas
pela cidade
iluminam olhares.

Guirlandas ornam portas
e as casas se abrem.

Pessoas saem
da frente de suas telas
e se encontram...!
(coisa rara neste tempo)

Vizinhos que mal se olhavam
cumprimentam-se.
E até sorriem.

Os invisíveis nas calçadas
subitamente presentes.

Ainda nem é o mês
de tudo novo
de novo.

Mas pela primeira vez no ano
há, enfim, algo novo.

Até Janeiro.

(Flávia Côrtes - Dezembro de 2013)

sábado, 7 de dezembro de 2013



Lombalgias
Um dia eu descobri
que não me doíam as costas.

Era a alma que doía.

Permitir asas
não foi escolha.

Foi só um jeito
de não implodir

penas.

(Flávia Côrtes - Dezembro de 2013)

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013



Duas Águas
Há a água que corre,
desenha o contorno do seio,
ilumina a pele.
Riacho.


Há aquela que escorre,
brota do centro do corpo,
desgoverna o pensamento.
Redemoinho.

Translúcido desejo.

(Flávia Côrtes - dezembro de 2013)