Sobre
portas, sorrisos e abraços.
Era a primeira vez que abria ela mesma aquela
porta.
"A casa exalava infâncias".
O pensamento trouxe um sorriso assim que ela virou a chave.
Era uma porta antiga de ferro trabalhado pintado de branco. O desenho imitava
flores vazadas, muito parecidas com as que a avó tricotava em paninhos de mesa.
As flores davam à porta uma aparência delicada.
Sempre achou apropriado que a porta da casa, que um dia foi da avó, tivesse
flores tricotadas em ferro branco.
Por trás da porta tricotada, via-se uma outra porta de vidro fosco que
fechava-se sobre a primeira. Nos dias de calor, o vidro era mantido aberto e isso
garantia à casa frescor. Tanto pela corrente de vento que se formava, como
pelas risadas das crianças brincando lá fora.
Quando menina, achava engraçado que a casa tivesse duas portas que viravam uma quando
fechadas.
Achava bonito que o ferro precisasse do vidro para fechar realmente a casa e
não apenas enfeitá-la.
E gostava de ver uma porta de ferro com vocação para enfeite. E uma porta de
vidro com vocação para tranca.
Desde sempre, houve sorrisos na chegada.
E os sorrisos àquela porta, sempre foram prenúncios de abraços.
A avó a esperava com a porta aberta.
Perdeu a conta de quantas vezes correu para aquele sorriso.
O pai nunca a esperou à porta. Aguardava-a
na calçada.
O sorriso dele iluminava o caminho desde a esquina, esperando que ela se
aninhasse em seu ombro tagarelando os dias.
A mãe sempre a esperava do lado de dentro com as duas portas fechadas.
Dava para ver o sorriso dela, por trás do vidro fosco, antes mesmo que a porta
se abrisse para o abraço das duas.
Era a primeira vez que abria ela mesma a porta de ferro branco.
Os incontáveis sorrisos àquela porta encheram o pensamento e transbordaram mais
um.
Os sorrisos naquela casa sempre foram
prenúncios de abraços.
Então, ela não estranhou quando a casa a abraçou.
E a casa
exalava infâncias.
Agosto
de 2012
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segunda-feira, 20 de agosto de 2012
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