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segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Sobre portas, sorrisos e abraços.

Era a primeira vez que abria ela mesma aquela porta.

"A casa exalava infâncias".
O pensamento trouxe um sorriso assim que ela virou a chave.

Era uma porta antiga de ferro trabalhado pintado de branco. O desenho imitava flores vazadas, muito parecidas com as que a avó tricotava em paninhos de mesa. As flores davam à porta uma aparência delicada.

Sempre achou apropriado que a porta da casa, que um dia foi da avó, tivesse flores tricotadas em ferro branco.

Por trás da porta tricotada, via-se uma outra porta de vidro fosco que fechava-se sobre a primeira. Nos dias de calor, o vidro era mantido aberto e isso garantia à casa frescor. Tanto pela corrente de vento que se formava, como pelas risadas das crianças brincando lá fora.

Quando menina, achava engraçado que a casa tivesse duas portas que viravam uma quando fechadas.
Achava bonito que o ferro precisasse do vidro para fechar realmente a casa e não apenas enfeitá-la.
E gostava de ver uma porta de ferro com vocação para enfeite. E uma porta de vidro com vocação para tranca.

Desde sempre, houve sorrisos na chegada.
E os sorrisos àquela porta, sempre foram prenúncios de abraços.

A avó a esperava com a porta aberta.
Perdeu a conta de quantas vezes correu para aquele sorriso.

O pai nunca a esperou à porta. Aguardava-a  na calçada.
O sorriso dele iluminava o caminho desde a esquina, esperando que ela se aninhasse em seu ombro tagarelando os dias.

A mãe sempre a esperava do lado de dentro com as duas portas fechadas.
Dava para ver o sorriso dela, por trás do vidro fosco, antes mesmo que a porta se abrisse para o abraço das duas.

Era a primeira vez que abria ela mesma a porta de ferro branco.
Os incontáveis sorrisos àquela porta encheram o pensamento e transbordaram mais um.

Os sorrisos naquela casa sempre foram prenúncios de abraços.
Então, ela não estranhou quando a casa a abraçou.

E a casa
exalava infâncias.

Agosto de 2012