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sábado, 30 de agosto de 2014

Arrebentação 

Esta tem sido
uma época de tsunamis.

E eu tenho estado submersa
boa parte do tempo.

Um dia
a calmaria te surpreende
e você se vê longe da areia
e em plena arrebentação.

Minúsculo diante
de uma enorme parede d'água
pensa nas possibilidades.

Descobri
nas praias da minha infância
que não adianta
correr de ondas gigantes.

Elas sempre te alcançam.

E você não vai querer
ser derrubado pelas costas,
sem fôlego e em fuga.

Saber nadar já não resolve.

Só há agora
fôlego e vontade.

Nesse dia, a gente descobre:
qualquer onda se reduz
à sua própria altura
quando você a encara de frente
e mergulha por dentro.

Não importa
o tamanho da onda.
Ela passa.

Acredite,
às vezes, precisamos
de correntezas mais profundas
para seguir mais longe.

(Flávia Côrtes - Agosto de 2014)

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Escola

Eu precisava muito da minha mãe por aqui nesse tempo. Quase todo dia eu a queria por perto. Não apenas por saudade, mas para me ajudar com isso tudo que eu não conheço... para me ensinar isso tudo que eu nunca achei que faria.

É tudo muito louco porque eu perdi mamãe quase agora e a vida de imediato me colocou essa menininha encantadora por perto dando risadas cristalinas pelo dia e fazendo cachos no meu cabelo quando eu a coloco para dormir.

É tudo muito novo e muito terno. Mas estamos as duas em adaptação de vida. E isso não é fácil para nenhuma de nós.

Ela sente falta da mãe dela.
E eu da minha.

Ela me rejeita quando sente saudades da mãe.
Eu me sinto inapta para a função na metade do tempo.

Mas tem algo mágico acontecendo.

As lembranças do que eu vivi com a minha mãe quando criança me invadem o tempo todo. E as cenas de hoje se misturam com aquelas da minha infância.

As risadas quando eu fiz o Box de piscina naquela tarde em que ela estava gripadinha e não podia descer... e ali estão de novo as risadas com os meus irmãos nos banhos de mangueira no quintal da casa dos meus pais.

As gelatinas em potes pequenos que  escolhi especialmente para ela... e eu revejo as mãos da minha mãe cortando pedaços de maçã para decorar os potinhos quando preparava ela a sobremesa.

As histórias na cama na hora de dormir... as conversas à mesa do jantar... eu me vejo repetindo com ela e por ela as coisas que a minha mãe fazia comigo e por mim na minha infância.

É assim que, por um momento, tem uma conecção não é de duas, mas de três.

Pois é. Eu precisava muito da minha mãe por aqui agora.

E, de alguma forma, ela está dando um jeito de estar.

(Flávia Côrtes - agosto de 2014)




terça-feira, 12 de agosto de 2014


Diálogo

As duas olhavam fotografias na cama antes de dormir.

"Você está cantando?" Perguntou a menina apontando a imagem.

"Não, querida, estou dizendo um poema."

"O que é um poema?"

A poeta olhou os olhos curiosos e buscou dentro dela algo que explicasse aos quatro anos o que era um poema.

"Um poema, meu amor, é como se fosse uma música que a gente não canta, mas conta a história... deixa eu pensar um para te dizer e você entender...

(Cecília Meireles ajudaria a explicar...)

"Esta menina
 tão pequenina
quer ser bailarina..."

A pequena abriu um sorriso.
"Eu quero ser bailarina!
Eu sou um poema?"

A poeta olhou os olhos e o sorriso da menina. E dentro dela transbordou um amor diferente de todos os amores que já tinha sentido na vida.

O sorriso da menina refletiu no dela quando disse.

"Sim, meu amor, você é um poema."

(Flávia Côrtes - agosto de 2014)

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Intensidades

Por que tudo
é assim
tão "muito",
tão "tanto",
tão "agora"?

É que a vida
é curta demais
para ser pouca.

(Flávia Côrtes)