Fracionados ou Inteiros
Vivíamos um tempo
em que o Tempo era um luxo.
Dias vertiginosos,
semana após semana,
nos levavam,
mês após mês,
aos quase produtivos anos
de uma Estranha Era
de pessoas Fracionadas.
A informação (relevante ou não)
ao alcance dos dedos
preenchia cada segundo desperto.
E interrompia.
A luz da tela desviava os olhos
e fracionava o pensamento
a cada instante.
E as pessoas se habituaram.
Porque habituam-se facilmente as pessoas.
Assim,
despertavam os Fracionados
com os olhos já conectados.
E, conectados e fracionados,
seguiam pelo dia.
Nunca mais Alguém foi Inteiro.
Nos escritórios,
Fracionados trabalhavam
enquanto pequenas telas brilhantes
sobre as mesas
dispersavam e interrompiam.
À refeição,
não conversavam os Fracionados.
À mão direita, o garfo.
À mão esquerda,
a pequena tela deslizante
de importantes amenidades.
A caminho de casa
não cochilavam ou contemplavam
os Fracionados,
ocupados que estavam ainda
com seus trabalhos não concluídos
nas tardes tantas vezes interrompidas,
trocavam mensagens e telefonemas incessantes.
Em suas casas,
observavam os Fracionados
as proezas dos filhos
erguendo os olhos sobre a tela
entre uma mensagem e outra.
Jantavam à frente da televisão ligada.
Reuniam-se nos aniversários em silêncio
cada um fixado em sua própria tela.
E levavam suas casas para o trabalho.
E traziam seus trabalhos para casa.
E conversavam dentro do cinema.
E silenciavam em frente a suas telas em restaurantes.
Viviam a infância de seus filhos
por fotos publicadas nas redes sociais.
Em seus íntimos,
a sensação cotidiana
de que não deram conta
de seus trabalhos
de suas famílias
de si mesmos.
Sem saber da revolução possível
quando Inteiros,
fracionavam-se mais e mais
em tentativa inútil de dar conta.
Exaustos e ocupados adormeciam.
Celulares ao lado do travesseiro.
Estranho tempo aquele.
Custou um pouco ainda
para que um Revolucionário
resolvesse ser Inteiro e
iniciasse uma Nova Era.
Mas, um dia,
um lnteiro surpreendeu a todos
e fez História:
Guardou o celular.
(Flávia Côrtes - abril de 2017)