Arquivo do blog

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

 Poema Natalino


Cada Natal 

traz dentro de si

todos os outros Natais

que te trouxeram até aqui.


Enquanto as mãos arrumam,

com carinho e cuidado

frutas, doces e rabanadas

em travessas decoradas,


atravessa a sala, risonha, a lembrança 

e as mesmas mãos, ainda crianças,

tiravam bolinhos escondidas

de uma outra mesa também já arrumada.


E o tempo te traz de volta 

bem a tempo de ver 

outras mãos, também meninas,

que desfazem o arranjo recém-arrumado 

para provar um docinho

nesta mesma mesa que agora é a sua.


O pisca-pisca colorido 

leva um pensamento vaga-lume 

até outra árvore,

em outro tempo, 

mas igualmente colorida

e exatamente luminosa.


E o tempo te transporta de volta,

ao som de alguma  risada

em algum outro assunto

nesta mesma sala que hoje é a sua.


Era um ano conturbado aquele.


Mas há quantos Natais ancestrais 

te enche o peito 

essa paz?


(Flávia Côrtes - Dezembro de 2021)



domingo, 15 de novembro de 2020

Percepção Figura e Fundo

Deste ângulo, 

ternura e afeto.


Do outro, 

o avesso

e o reverso.


Entre um tempo e outro,

exercito antolhos.


Um pouco por amor,

um tanto por conveniência 

e muito por algo que ainda não sei.


Ou, quem sabe,

eu saiba.


É que vida que é… 

é a vida que há.


Enquanto houver 

amor.


Não. Na verdade, 

enquanto houver 

respeito.


O respeito

vira a esquina

pouco antes da gente

virar a página.


(Flávia Côrtes - novembro de 2020)


quarta-feira, 11 de novembro de 2020

 Arqueologia


Poemas antigos 

aram entranhas

em busca da Poesia 

encravada no peito.


Palavras viram lupas
sobre o sentimento cru.

Debruço-me sobre fósseis 

do que já fui

para recompor a história
do que me tornei.


Arqueóloga de mim mesma,

cuidadosamente, 

desenterro escombros.

Vestígios perdidos no tempo
indicam caminhos possíveis.

Embora não indolores.


(Flávia Côrtes - Novembro de 2020)



segunda-feira, 19 de outubro de 2020

 Cíclicos


Tudo tem seu tempo.


E cada um tem uma estrada.

Particular e pessoal.

Intransferível. 


Todo mundo procura 

alguma coisa.


Alguns por fora,

outros por dentro. 


Há quem precise 

preencher-se um pouco.


Há quem necessite

esvaziar-se um tanto. 


Há quem, 

em tempos caóticos,

se organize melhor.


Outros, 

demandam planícies.


E até quem Girassol

pode ofuscar-se à luz,

dependendo 

da própria estação.


Agenda, então, 

o início do seu dia

em aurora própria. 


Aguarda, então, 

o seu germinar 

em primavera particular. 


É que agendas,

calendários,

e estações

são humanidades.


Inícios inexistem.

Tudo é continuidade.


Independente da sua rotação,

há brilho no firmamento.


Todo o resto é Escolha. 


(Flávia Côrtes - outubro de 2020)


domingo, 11 de outubro de 2020

 Sobre Holofotes e Ampulhetas - o poema


Pensamentos podem ser ideias 

já elaboradas na mente. 


Convicções. Pretensões. 

Conversas de você consigo mesmo. 

Lembranças. Sonhos. 

Objetivos. Invenções.


E tem também um tipo de pensamento 

que está ali,

mas que não foi elaborado 

ainda. 


Algo que você sabe e reconhece, 

mas que não quis (ou não pôde) 

encarar por tempo suficiente.


Ora, quem é que, 

por livre escolha,

vai ocupar a mente 

com coisas conflitantes?


Problemas já existem 

em quantidade suficiente todo dia

para que alguém ainda queira buscar,

lá no canto mudo do pensamento, 

uma reflexão incômoda 

para colocar no forno 

e deixar crescer.


O problema é que Problemas

são pacientes. 


Experimente ignorá-los.

Pegam uma cadeira, 

cruzam as pernas, relaxam

e pacientemente te esperam. 


Um dia você, vai ter que olhar para eles.

É uma questão de tempo.


E, um dia, o TEMPO também deixa 

de ser um “tic-tac” que ecoa 

muito discretamente 

enquanto escorrem os anos… 

e vira uma ampulheta sentada 

na poltrona da sala te olhando. 


Nesse dia, caberá apenas a você 

escolher se olha de volta 

ou não.


Então, enquanto o ponteiro do tempo

ainda é seu, experimenta

pinçar um ou outro 

desses “quase-pensamentos” 

para olhar de perto. 


Mas cuidado. 

Se vestirem palavra,

você terá que olhar de verdade 

para dentro deles.


Ou de si mesmo. 



(Flávia Côrtes - outubro de 2020)



 Sobre Holofotes e Ampulhetas - prosa


Escrever para mim é algo que me organiza por dentro. Além disso, me permite colocar um holofote naqueles pensamentos que me rodeiam sem palavras. Estes, aliás, são os perigosos. 


Explico. 


Pensamentos podem ser ideias já elaboradas na mente. Convicções. Pretensões. Conversas de você consigo mesmo. Lembranças. Sonhos. Objetivos. Ideias. Invenções.


Mas tem um tipo de pensamento que está ali e não foi elaborado ainda. Algo que você sabe e reconhece, mas que não quis ou não pôde encarar por tempo suficiente para que vire uma ideia.


Por que não? 

Ora, quem é que, por livre e espontânea vontade, vai querer ocupar a mente com coisas perigosas e conflitantes?


Isso não quer dizer que eu não tenha já pinçado um ou outro desses “quase-pensamentos” para olhar de perto… mas, recentemente, tenho parado de olhar antes que resolvam ganhar palavras. 


Já tive mais disposição para essas coisas. Como atestam mais de 600 poemas, contos e prosas escritos. 


Só que, ultimamente, não estou querendo me ocupar muito de problemas. Eles já existem em quantidade suficiente para que eu ainda vá buscar, lá no canto mudo do pensamento, uma reflexão incômoda para colocar no forno e deixar crescer.


Eu não sei se é porque ultrapassei os 50 anos. Meia vida, meio século. A quem eu quero enganar? Meia vida foram os 40. Os 50 te levam a 2/3. Você já viveu 2/3 do caminho. 


Um dia o TEMPO deixa de ser um “tic-tac” que ecoa muito discretamente enquanto escorrem os anos… e vira uma ampulheta sentada na poltrona da sala te olhando. E cabe apenas a você escolher se olha de volta para ela ou não.


Eu sou boa em ignorar coisas que me incomodam. Ocupo o pensamento e a vida com outras coisas e pronto. Mas qualquer um que já teve um pensamento incômodo e ignorado sabe que isso não elimina o problema. 


Problemas são pacientes. Se você ignorá-los, não vão embora simplesmente. Pegam uma cadeira, cruzam as pernas, relaxam e pacientemente te esperam. Porque um dia você vai ter que olhar para eles. É uma questão de tempo.


Tempo, tempo, tempo... porque isso tem me incomodado tanto?


Não é exatamente o tempo. Ou a falta dele. É essa sensação de finitude. 


“Meu amor, o que você faria se não te restasse outro dia. O que você faria?”... já cantou um poeta.


E, não, eu não vou falar disso agora. 

Vou preparar o jantar.


(Flávia Côrtes - outubro de 2020)




domingo, 30 de agosto de 2020

 Esporos


A manhã anunciou

um domingo claro e lento

daqueles outrora frequentes.

E agora tão raros.


Poderia ter feito muitas coisas.

Mas pareceu apropriada 

a não-escolha.

Daí, não fez. 


Esporos aguardariam

primaveras

com ou sem calor.


É impressionante 

o que um pouco de azul

pode fazer por uma pessoa

que o permita.


Flávia Côrtes

Agosto de 2020





segunda-feira, 11 de maio de 2020

 Cotidiano - um poema de Everson Costa


Conflito exige conversa
Conversas geram risos
Risos geram música
Música remete a lembranças
Lembranças remetem a nostalgia
Nostalgia lembra tristeza
Tristeza lembra saudade
Saudade leva a felicidade
Felicidade leva à alegria
Alegria retoma à vida
Vida exige ritmo

E assim me sinto como um instrumento que não para de procurar músicas.

Everson Costa.  11/05/20.

segunda-feira, 6 de abril de 2020

Bunker

Aquele poderia ter sido 
um mês comum 
em um ano a mais.
Poderia.

Fomos, porém, 
surpreendidos todos. 

Compulsoriamente alistados
em batalha invisível.

Subitamente aprendizes
de uma rotina futurista
que converteu os dias 
em uma quase ficção.

Com sorte, 
sala vira escritório.
Quarto, academia.
Mesa de jantar, sala de aula.
E prosseguimos. 

Compras à porta.
Pacotes ensaboados.
Maçanetas ensaboadas.
Galões de água ensaboados.

Mãos ensaboadas.
Vidas, nem tanto.

Entrincheirados,
equilibramos como podemos
orçamento e ansiedade
em busca da vida normal.

Ou, pelo menos,
de algo que nos mantenha,
prioritariamente, 
vivos.

Flávia Côrtes 
Março de 2020 
(Caso alguém me pergunte daqui há 20 anos como passamos pela Pandemia de 2020)

sábado, 22 de fevereiro de 2020

Contas d’água

A tarde branca 
refrescava o dia
na cidade quente.

Uma chuva rala
serpenteava o ar

e depositava, delicada,
pequenas e brilhantes 
contas d’àgua
no varal vazio

enchendo os olhos
de quem se permitisse
ver.

Nenhuma chuva é toda cinza
e todo sol traz a sua sombra.

Ajusta você o foco.



Flávia Côrtes 
Fevereiro de 2020