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domingo, 28 de agosto de 2011


Verso em reflexo

A previsão
era de chuva para o fim de semana.

Só que o domingo descobriu
que eu andava muito precisada de azul
e nos surpreendeu a todos
com uma manhã clarinha.

Eu me deitei na varanda
abraçada a um livro
enrodilhada em travesseiros
para deixar o domingo
fazer manhã em mim.

Em varandas
pálpebras fechadas
cobrem de um amarelo dourado
o olhar da gente.

No dia em que construíram
o jardim do meu prédio
um engenheiro entendido de gente
colocou uma fonte
fazendo barulhinho d'água

Mães emprestam crianças ao jardim.
E as crianças emprestam risadas ao dia.
Risadas de crianças misturadas a barulhinho d'água
lavam almas

Por trás do dourado da minha pálpebra
abraçada ao meu livro,
enrodilhada em travesseiros,
sussurrada de risos e águas,
eu me amanheço
em poesia

Sempre me surpreende o quanto o domingo
me conhece e me cuida.

E eu
verso
em reflexo.


Flávia Côrtes - Agosto de 2011
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Textos devidamente registrados na Biblioteca Nacional e protegidos quanto aos seus direitos autorais.
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sexta-feira, 12 de agosto de 2011


Irrigação

Acordei seca.
Dez dias sem poesia
viram rotações.

E ressecam.

Você há de me perguntar
porque não bebi
qualquer poema
colhido
nessas dezenas de livros
espalhados pela casa

É que para estiagem assim,
dessas que racham a alma,
poema em folha
é gota.
Já não resolve.

Recomenda-se,
em casos graves como esse,
submersão imediata
em lirismo
em estado puro

Não é essencial que haja
céu azul por fora,
mas por dentro

E, imprescindível, que a pessoa
esteja propensa a folha

Feito isso,
é só abrir as comportas do mundo
sobre si mesmo
e se deixar inundar

Acreditem.
Qualquer um
vai de Saara
a Pantanal
em meia manhã
desse jeito

Aí, é só colher uma flor atrás da orelha,
deixar passar tuiuiú pela retina
e prestar atenção no barulho da água
que corre por dentro

Pronto.
Germinada em Poesia.

Agosto de 2011

segunda-feira, 1 de agosto de 2011


Túnel do Tempo

Num túnel esculpido em rocha crua

em tempos antigos,
a gota minada da pedra me transporta.

Se fecho os olhos, ainda dá para ver...
mãos escravas abrindo pedra
gritos
explosões em pólvora
estalos de chicote no ar
em um tempo distante
mas nem tanto

E a tarde pára na queda
daquela gota
para lembrar a poeta
que nem tudo que é belo
foi indolor

Julho de 2011