Minhas estórias não serão mais as mesmas.
(Devaneios pela Palavra)
Descobri hoje, chocada, que as estórias da minha infância precisam ser reescritas. Precisam perder o som arredondado, o algo de suspiro, a insinuação de sorriso. Sob pena de não mais existirem.
Hoje descobri. Nunca existiu “estória”. Foi apenas uma palavra proposta. Não contaram quem propôs. Recomenda-se o uso da palavra “história”. Não disseram quem recomenda, mas parecia sério.
Obediente e aplicada, ainda que desolada, reli alguns textos e removi a palavra, colocando no lugar a organizada, geométrica e objetiva “história”.
Num passe de mágica, um parágrafo doce perdeu metade do encanto.
O avô quase parou de sorrir, a Sininho recusou-se a voar, Wendy tapou os olhos dos meninos para que não vissem, a Emília disse uma asneira... foi um rebuliço no conto.
Desfiz as alterações, escondida, torcendo para que ninguém perceba.
E estou aqui, em luto, velando a minha palavra. Neguei, enfureci, deprimi. Ainda não aceitei a perda.
Por favor, tenham paciência. Assim que eu puder eu guardo as minhas estórias dentro de mim e as removo do papel. Hoje, não dá.
Junho de 2009
(Devaneios pela Palavra)
Descobri hoje, chocada, que as estórias da minha infância precisam ser reescritas. Precisam perder o som arredondado, o algo de suspiro, a insinuação de sorriso. Sob pena de não mais existirem.
Hoje descobri. Nunca existiu “estória”. Foi apenas uma palavra proposta. Não contaram quem propôs. Recomenda-se o uso da palavra “história”. Não disseram quem recomenda, mas parecia sério.
Obediente e aplicada, ainda que desolada, reli alguns textos e removi a palavra, colocando no lugar a organizada, geométrica e objetiva “história”.
Num passe de mágica, um parágrafo doce perdeu metade do encanto.
O avô quase parou de sorrir, a Sininho recusou-se a voar, Wendy tapou os olhos dos meninos para que não vissem, a Emília disse uma asneira... foi um rebuliço no conto.
Desfiz as alterações, escondida, torcendo para que ninguém perceba.
E estou aqui, em luto, velando a minha palavra. Neguei, enfureci, deprimi. Ainda não aceitei a perda.
Por favor, tenham paciência. Assim que eu puder eu guardo as minhas estórias dentro de mim e as removo do papel. Hoje, não dá.
Junho de 2009
Um comentário:
Flávia, vc me convidou e eu aceitei o convite. Li e comento esse texto que me deixou com um gosto estranho na boca, acho que com "gosto de cabo de guarda-chuva".
Algo em mim não aceita que uma professora repasse sua ignorância a seus alunos. Perdi horas estudando perguntas de alunos meus, pesquisando em bibliotecas públicas (e ainda não existia internet não!) para evitar de passar um êrro que viraria, um dia, bola-de-neve.
Eu compreendo a triste realidade de ser professor no nosso país, a miséria de recursos, a precariedade de sua formação. Mas é sempre duro ver uma criança aprender noções, conceitos de forma errada e, ainda mais grave, da própria escola que ela freqüenta.
No meu texto, vc sabe quem foi o inventor de tal palavra. E se ouso lhe dizer, quem recomenda a utilização de "história" é a coerência que toda língua deve ter. Não vejo como uma perda a sua "estória", mas como uma ilusão que lhe contaram. Assim como Peter Pan, como Wendy, como Papai Noel....
Vc vai continuar ainda a acreditar em Papai Noel, Flávia? *;-)
Luminoso seu texto, realmente.
Beijos,
André
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