A adolescência encontrou a menina soterrada em si mesma.
Do lado de fora, a vida seguia com vagar, como devem seguir estes anos. Uma sucessão de dias leves e descompromissados, uma seqüencia de ”escola, cinema, inglês, clube, televisão...”
Do lado de dentro, de volta à terra, como quem volta ao útero. Despojou-se de qualquer outro elemento, em tentativa inútil de retroceder no tempo. Como se isso fosse suficiente para desfazer o mal, reverter a mágoa, desfazer o que não era nominável.
Só não perdeu-se de si por teimosia.
Segurou as lágrimas até desaprender a chorar. Encarou o espelho até não se importar com o olhar. Forçou o sorriso até ter vontade de sorrir. E negou o que doía, até que ela mesma não sabia mais da dor. E entendeu que isso era bom.
Seqüelas? Praticamente nenhuma. Uma ferida fechada, normalmente indolor. Em alguns dias, levemente sensível. Em raríssimas ocasiões, um leve latejar.
Por fim, foi salva da asfixia pela palavra. Pela palavra digeriu a si mesma. E também por ela conectou-se ao mundo novamente. Ao seu mundo e àquele que passou a se descortinar em frente aos seus olhos.
E a vida voltou ao seu curso. Novamente intensa, mais uma vez divertida, de novo encantada... pela sua própria vontade. Mas ainda assim encantada. E ela entendeu que isso era bom.
E assim foi até os loucos anos, que chegaram para ela um pouquinho antes dos vinte. Mas isso já é outra estória.
Conjunto de Contos e textos (2009)
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