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sábado, 1 de abril de 2017

Fracionados ou Inteiros

Vivíamos um tempo
em que o Tempo era um luxo.

Dias vertiginosos,
semana após semana,
nos levavam,
mês após mês,
aos quase produtivos anos
de uma Estranha Era
de pessoas Fracionadas.

A informação (relevante ou não)
ao alcance dos dedos
preenchia cada segundo desperto.

E interrompia.

A luz da tela desviava os olhos
e fracionava o pensamento
a cada instante.

E as pessoas se habituaram.
Porque habituam-se facilmente as pessoas.

Assim,
despertavam os Fracionados
com os olhos já conectados.

E, conectados e fracionados,
seguiam pelo dia.

Nunca mais Alguém foi Inteiro.

Nos escritórios,
Fracionados trabalhavam
enquanto pequenas telas brilhantes
sobre as mesas
dispersavam e interrompiam.

À refeição,
não conversavam os Fracionados.
À mão direita, o garfo.
À mão esquerda,
a pequena tela deslizante
de importantes amenidades.

A caminho de casa
não cochilavam ou contemplavam
os Fracionados,
ocupados que estavam ainda

com seus trabalhos não concluídos
nas tardes tantas vezes interrompidas,
trocavam mensagens e telefonemas incessantes.

Em suas casas,
observavam os Fracionados
as proezas dos filhos
erguendo os olhos sobre a tela
entre uma mensagem e outra.

Jantavam à frente da televisão ligada.

Reuniam-se nos aniversários em silêncio
cada um fixado em sua própria tela.

E levavam suas casas para o trabalho.
E traziam seus trabalhos para casa.
E conversavam dentro do cinema.
E silenciavam em frente a suas telas em restaurantes.

Viviam a infância de seus filhos
por fotos publicadas nas redes sociais.

Em seus íntimos,
a sensação cotidiana
de que não deram conta

de seus trabalhos
de suas famílias
de si mesmos.

Sem saber da revolução​ possível
quando Inteiros,
fracionavam-se mais e mais
em tentativa inútil​ de dar conta.

Exaustos e ocupados adormeciam.
Celulares ao lado do travesseiro.

Estranho tempo aquele.

Custou um pouco ainda
para que um Revolucionário
resolvesse ser Inteiro e
iniciasse uma Nova Era.

Mas, um dia,
um lnteiro surpreendeu a todos
e fez História:

Guardou o celular.

(Flávia Côrtes - abril de 2017)